domingo, 30 de janeiro de 2011

Sexo na Cabeça

Por Luis Fernando Veríssimo

Dois velhos sátiros conversando sobre as menininhas.
- Que safra.
- Grande safra.
- Cada neném...
- Nem me fala.
- Lindas.
- E desinibidas.
- Desinibidas. Sem preconceitos.
- Informais.
- Nenhuma chama a gente de senhor.
- Agora tem uma coisa...
- O quê?
- Não sei se acontece isso com você, mas às vezes...
- O quê?
- Falta papo. É ou não é?
- Como assim?
-Sei lá. Está certo que o que a gente procura nelas não é estímulo
intelectual. Mas de vez em quando a gente gosta de... não é mesmo?
Conversar. Trocar ideias.
- Nem que seja só para recuperar o fôlego.
- Exato. E não dá. Essa geração não leu nada.
- Nada.
- Antigamente ainda liam O pequeno príncipe.
- Liam O pequeno príncipe demais para o meu gosto.
- Mas liam. Quer dizer, rendia cinco minutos de conversa.Hoje nem isto.
- Mas isso tem seu lado bom.
- Bom?
- Bom, não. Formidável.
- Como, formidável?
- Você não vê?
- O quê?
- Você ainda não se deu conta?
- Do quê?
- Meu querido. Elas não conhecem Vinícius de Moraes!
- E o que que...
-Esta é a primeira geração brasileira em muitos anos a passar pela
puberdade sem ler Vinícius de Moraes. Intocada por Vinícius de Moraes.
Virgem de Vinícius de Moraes.
- Sim, mas...
- Lembra antigamente, quando a gente começava um verso do Vinícius para uma menininha? O que acontecia?
- Ela terminava.
-Isso. Sabia de cor. Claro que aquilo ajudava. Aproximava vocês. Você
mostrava que era um cara sensível e ela se convencia de que, gostando
dos mesmos versos, vocês eram feitos um para o outro. Nascia um amor
eterno enquanto durasse, mesmo que fosse só por uma noite.
- E hoje?
- Hoje você diz uma frase do Vinícius no ouvido de uma menininha e ela pensa que a frase é sua. É a mesma coisa, sem o Vinícius. Elimina-se o intermediário.
- Será?
- Há alguns anos eu estou passando frases do Vinícius de Moraes como se fossem minhas, improvisadas na hora. Poemas inteiros.
- Mas fazem efeito?
-O quê? Estão acostumadas com a conversa dos garotos da idade delas. Uma
espécie de português reduzido às interjeições. Qualquer vocabulário com
mais de 17 palavras deixa elas extasiadas. As que não admiram a poesia,
admiram a prolixidade.
- Eu não tinha pensado nisso.
- Experimente.
- E se aparecer uma que conheça o Vinícius? Serei desmascarado.
-Se aparecer uma que conhece o Vinícius será velha demais para você. E
pense no dia seguinte: tido o que o Vinícius escreveu sobre o amor. Sem
contar as letras de músicas. É um tesouro inesgotável. E tido inédito,
para elas. Ler o Vinícius, para refrescar a memória é uma das últimas
coisas que eu faço todas as noites, antes de dormir.
- E a última, qual é?
- Tomar a minha gemada.

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